domingo, 11 de abril de 2010

Vociferado

Quero ser bicho, pedra, boneco.
Inimputável viver.

Na verdade quero o transacto.
Roer as pontas que me cravam.
Arestas, vértices, ângulos apertados…

Sou matemática, problemática e pouco exacta.

Não quero isto, quero aquilo:
- Arquitecta, bailarina, médica, indigente…
Macho, travesti, presidente.

A Beauvoir a Lispector,
Um Nietszche niilista,
O Pessoa, o Sá-Carneiro, até o Camões…
Quero-os fora de mim.
Cabrões.

Não sou feliz com o ateísmo do meu pai
Quero o cristianismo zonzo da minha mãe.
Culpa, consciência e punições…
Tenho-os todos afinal e só a mim faço o mal.

E tu, não me apresentes mais pensadores.
Na última página jamais vi a luz,
Só sombrios pedaços de mim.
Arcanos castradores.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Alfabético retrato

Cabelo esgadanhado, preso pela metade,
Pela metade deixado solto.
Olhos desmedidos densos e pardacentos,
Falsos distraídos em cada movimento.
O nariz colosso abstracto,
Com fama de empinado.
Orelhas atentas e esburacadas,
Tísicas e ornamentadas.
A boca disforme,
Apresenta os caninos descoloridos,
Pelo cigarro devotado.
Dizem que o todo é algo clássico.
Eu digo-o pouco simpático.
Eis aqui o meu alfabético retrato.

Comprar o céu

Corre ao alpendre cachopita
Que o padre Matos vem a caminho
Dar o senhor a beijar
O Vermelho está embarcado
Estende agora o rosmaninho para o senhor entrar
Apruma a mesinha, Com chouriço, pão e vinho… Não te esqueças do tostão!
Um dia vais querer o céu, E quem deu, deu… quem não deu abolorece no caixão.

Mana

O ontem passou taciturno.
Não me falou…
Nem de morte nem de sonho.
Acabou-se só.

O anteontem foi lutuoso.
Pesou-me…
Morreu alguém muito meu.

Foi-se nela metade da minha história.

A do tempo dos sonhos,
Da quadra das quimeras e devaneios.
De quando tudo era sôfrego e sempre pouco.

Dói. Martiriza. Ofende. Decompõe…
O mundo que foi nosso.

Hoje guardo-te em sonho.

Quem é que acredita que ele não pensa?



Zoo Montemor-o-Velho 2010